
O congresso socialista foi uma manifestação de vitalidade e de decadência: vitalidade de um Sócrates hegemónico que tudo controla e da decadência de um PS que se lhe rendeu pelas piores razões.
À excepção de meia dúzia de pessoas que preservaram o seu direito à decência e cuja saúde mental se manteve milagrosamente, tudo o resto foi uma encenação perfeita de um país que não existe e de um partido dominado por interesses, camarilhas e dependências habilmente atadas, servida grátis por diversos canais de televisão qual reality show de fim de semana a um público que há muito eles tomam como lorpa, leia-se todos nós portugueses.
Sabemos que na democracia portuguesa as "crises" políticas são o pão dos media. É preciso mantê-las ao rubro, alimentá-las, aumentá-las e, se necessário, inventá-las.
Agora tudo isso é feito por José Sócrates, o maior aliado dos media, oferecendo-lhes em catadupa episódios e efeitos especiais, desempenhos de apurada técnica, em suma "conteúdos" para encher, num non stoping doentio de horas de televisão.
É esta a principal razão que leva a que tudo aquilo que realmente interessa para o que nos vai acontecer possa ser escamoteado pelo que nos vai acontecendo... E que este excesso de informação induzida tenha o efeito de desvirtuar os factos, mesmo os mais recentes, e adormecer as memórias, mesmo dos mais atentos.
Sem sombra de vergonha, Sócrates escolhe os temas que mais lhe convêm e deixa cair os embaraçosos e é assim que a austeridade reconhecida como necessária pelo PSD ou pelo CDS se transforma numa "aventura ultraliberal" ameaçadora para efeitos de consumo eleitoral.
Se porém estiver a falar à sua esquerda, o Estado social passa a ser um excesso de zelo obsoleto e anti-reformista de partidos irresponsáveis que nunca governaram.
Mas quem se poderá ter esquecido do facto - tão sintomático - de Ferreira Leite ter perdido as eleições por ter antecipado na campanha eleitoral o que aí vinha, a mesma campanha em que o responsável pelos défices, dois péssimos orçamentos e quatro duvidosos PEC oferecia, como se de guloseimas se tratasse, remédios gratuitos aos idosos, aulas de inglês às crianças e contas bancárias aos recém-nascidos, para além do inefável TGV?
Como podemos ouvir sem sobressalto a ministra da Segurança Social, que sabe do que fala, vir prometer mais coisas depois dos cortes cegos que fez ao longo do seu mandato?
Ou o uso e abuso de frases feitas como mais escola pública e mais SNS depois dos cortes orçamentais que introduziram?
Não ficaram dúvidas sobre o tom que, em crescendo, utilizará a campanha eleitoral de Sócrates: a exploração dos medos e da instabilidade emocional dos portugueses através de comparações entre quem dá mais e quem tira mais.
Depois de ter inventado uma crise, de ter criado os bodes espiatórios, de se ter instituído como o anti-FMI e o guardião da nossa soberania, de ter martelado, varrido e escondido todos os números da nossa desgraça, aqui está ele de novo: o homem que tem tudo para dar. Se há dois anos alguns podiam ter dúvidas, hoje já não.
Portugal deixou de ser dono de si próprio, o FMI virá e as regras estão ditadas, os consensos terão de se estabelecer entre todos e ninguém tem nada para dar a ninguém.
Esta é a realidade que os factos só corroboram. É com verdadeiro pasmo que vejo, na última sondagem, que 36% dos eleitores vão votar neste embuste. Um prémio ao crime? Pior, a absoluta recusa da realidade por medo, por preguiça, por ignorância, por apatia.
Se 36% dos portugueses continuam a não querer enfrentar a nossa própria realidade, então temos de perguntar o que é que realmente se pode fazer por Portugal para além de o pôr sob tutela estrangeira.
Maria José Nogueira Pinto
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